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No Brasil, o processo de transição do período monárquico para o período republicano implicou em alterações na estrutura do governo, que estava sendo abalado por parte dos setores da elite. No final do século XIX, parte da elite estava descontente com o governo de D. Pedro II, que ainda utilizava o poder Moderador para governar. Dentre os descontentes, estavam os cafeicultores, que após a promulgações de leis abolicionistas, especialmente a Lei Áurea, que libertou todos os escravos sem pagar indenizações, passaram a criticar o governo imperial, e os militares do Exército, que saíram prestigiados da Guerra do Paraguai, e reivindicavam melhores salários e mais participação no governo. Vários militares do Exército também apoiavam o Positivismo, tanto na sua versão religiosa quanto nas suas aspirações filosófica, e acreditavam que era seguindo o lema de ordem e progresso que o Brasil poderia galgar melhores status sociais e econômicos.
Este ambiente tenso criou esteio para a proclamação da República Federativa do Brasil, que foi estabelecida no dia 15 de novembro de 1889, tendo à frente do movimento republicano os militares do Exército, dos quais se destacou Benjamin Constant. Assim, do dia para noite, o Brasil saiu de um longo regime monárquico e entrava num regimento de governo republicano. De acordo com Murilo de Carvalho, “a proclamação da República trouxe grandes expectativas de renovação política, de maior participação no poder por parte não só das elites, mas também das camadas antes excluídas do jogo político”.
A mudança do regime político exigia a permuta da Carta Magna, haja vista que a Constituição Federal de 1824 estabelecia quatro poderes, a saber: Moderador, Executivo, Legislativo e Judiciário, e o poder Moderador, exercido pelo monarca, e, uma vez que o rei do D. Pedro II fora destituído do trono, não fazia mais sentido tal poder absolutista continuar existindo no Brasil.
Neste mote, foi escolhida uma Assembleia para a elaboração da nova Carta Magna do país, a preparação do documento demorou poucos meses, e parte da redação do texto constitucional ficou a cargo dos juristas Rui Barbosa e Prudente de Morais. Os juristas se inspiraram na Carta Magna dos Estados Unidos, e, assim, enquadrava-se o Brasil na tradição liberal norte-americana de organização federativa e do individualismo político e econômico. Desta forma, a Constituição Federal de 1891 tinha como eixo a federalização dos Estados e a descentralização do poder, mas sem perder o elo de união nacional e territorial. Levando isso em consideração, e, considerando também a influência da Carta Magna norte-americana, o país ficou conhecido como “Estados Unidos do Brasil”.
Em 24 de fevereiro de 1891, após uma breve discussão parlamentar que durou três meses e nove dias, foi aprovada e promulgada a nova Constituição do Brasil. Dentre as várias normas estabelecidas, que traçaram um novo perfil institucional para o país, o federalismo era a grande inovação da Constituição de 1891; mais até que o individualismo. Pois, de acordo com Sérgio Trindade, “a inspiração liberal do individualismo político e econômico, ascendente no século XIX, já deixara sua marca na primeira Constituição, a de 1824”. O federalismo, almejado pelos membros do Partido Liberal desde a época imperial, foi implantado em substituição ao centralismo do império, isso possibilitou aos Estados amplo poder.
Assim, a Constituição Federal de 1891, em seu artigo 63o, estabelecia que, “cada Estado se reger-se-á pela Constituição e leis que adotar, “respeitados os princípios constitucionais da União”. Para Sérgio Trindade, “esse dispositivo permitia aos estados, por exemplo, cobrar impostos interestaduais, decretar impostos de exportação, contrair empréstimos no exterior, elaborar sistema eleitoral e judiciário próprios, organizar força militar, etc.”.
A reforma judiciaria seria executada nos vários entes da federação. No Piauí, houve alvoroço e grande expectativa sobre essa reforma. Em 19 de junho de 1910, foi publicado nota no Jornal O Apostolo que trazia a seguinte informação:
O governo fez distribuir pelos colegas da situação e pelos magistrados um folheto contendo informação sobre o projeto da reforma judiciária do Estado. À primeira vista parece que teve a pretensão de colher o parecer dos doutores para a execução desse trabalho vasto e complexo trabalho, mas ao que se diz é que o projeto será aprovado nesta próxima sessão, não havendo tempo para esperar.
Sem dúvida que havia uma necessidade de se executar a reforma judiciaria em tempo ágil, haja vista que o sistema governamental estava modificado, e, havia a inevitabilidade de se estabelecer meios jurídicos que estivessem em consonância com as novas regras daquela sociedade. A Constituição de 1891, instituiu a dualidade da justiça (federal e estadual), e aos entes federados a prerrogativa de organização do Poder Judiciário Estadual. No Piauí, a elaboração de leis que deveriam reger o Estado e a reforma judiciária ficaram a cargo do jurista João Osório Porfírio da Motta, que nasceu em Parnaíba, em 1870.
João Motta, que na juventude foi militar, tornou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, ao retornar ao Piauí foi deputado estadual, depois tornando-se magistrado e exerceu o cargo de juiz por vários anos em Parnaíba, Batalha, Barras e Teresina (capital do Estado), depois tornou-se Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, tendo sido um de seus presidentes. Foi professor de Direito Judiciário Civil na Faculdade de Direito do Piauí, de que foi um de seus fundadores. Sua passagem pela magistratura foi marcante de tal forma que passou ser conhecido por - Desembargador Motta.
A escolha do jurista foi criteriosa, o mentor do projeto teve que passar pelo crivo dos deputados e governador, e após sabatinado, feito o texto base, a reforma foi aprovada e sancionada em forma de lei, como Lei da Reforma Judiciária Estadual, de número 652, de 25 de julho de 1911, recebendo a alcunha de obra-prima.
A reforma judiciaria elaborada por João Osório Porfírio da Motta seguia em comum acordo com as normas estabelecidas pela Constituição Federal de 1891, e, também teve inspiração em ditames jurídicos da Faculdade de Direito do Recife, grande centro de formação jurídica da elite piauiense no período, e que exerceu enorme influência no mundo jurídico do Piauí daquela época. Ademais, essas ações no meio jurídico estavam em consonância com o que ocorria no Brasil e no Piauí, haja vista que grande parte da civilização brasileira, em sua grande maioria agraria, almejava se apartar dos resquícios imperiais, levando, assim, o país ao progresso.
A reforma judiciaria organizada por João Osório Porfírio da Motta atendia aos anseios do governador do Estado do Piauí, Antonino Freire da Silva, pois em mensagem apresentada à Câmara Legislativa o governador disse, “considero de toda a conveniência, que na reforma judiciária, armeis o Ministério Público dos meios necessários para promover, mais eficazmente, a fiscalização da justiça, incumbindo-o da organização da estatística judiciária e criminal do Estado, e dando-lhe recurso para fazê-lo”. Ao realizar a reforma, João Osório Porfírio da Motta estabeleceu que incumbia ao promotor da capital, e, em geral aos promotores das outras comarcas, denunciar todos os crimes e contravenções de qualquer espécie.
Lei da Reforma Judiciária Estadual, de número 652, de 25 de julho de 1911, foi o ponto de partida para o surgimento de outras leis de tão magnitude importância para o Estado do Piauí, como exemplo do Código Processual Penal, publicado em 1919, e do Código Processual Civil e Comercial do Piauí, publicado em 1920, todos elaborados e organizados pelo jurista João Osório Porfírio da Motta.
Mesmo tendo os Estados ficando com a competência, como estabelecia a Constituição Federal de 1891, de legiferar sobre o Direito Formal, no final da primeira década republicana, o Piauí ainda era um dos ententes federados que não tinham um Código de Processo Penal e de Processo Civil e Comercial, “regendo-se ainda pelas velhas leis processuais do império, e por poucas leis próprias, esparsas e elaboradas sem métodos, elaboradas quase sempre sob as pressões das conveniências pessoais do momento”. Neste sentido, e de acordo como Desembargador Cristino Castello Branco, “a codificação do nosso direito adjetivo, veio, portanto, encarreira-nos na trilha dos Estados cultos. Demos um passo a diante, saímos do caos, da anarquia processual”.
A ação do Desembargador Motta, inspirado em leis de alhures, como os Códigos da Bahia, do Maranhão e do Rio de Janeiro, em codificar e estabelecer os Código Processual Penal do Piauí e o Código Processual Civil e Comercial do Estado, como estabeleceu Cristino Castello Branco, foi de suma importância para o progresso jurídico do Estado; ao estabelecer esses códigos, que ordenavam e sistematizavam as normas e tipificavam os crimes, eliminando lacunas jurídicas e redundâncias, criava uma identidade piauiense no campo jurídico, e isso estava em perfeita simetria com o que era estabelecido na Constituição Federal de 1891, ao estabelecer o federalismo, ou seja, dava possibilidade para os Estados criarem suas próprias leis, para terem vigência em suas realidades político sociais.
Fixados estes pontos, é relevante destacar que o Código de Processo Civil e Comercial do Estado do Piauí foi elaborado em uma época em que o estado ainda não possui faculdade de Direito e tampouco existia o Diário Oficial (imprensa oficial), ambos só foram institucionalizados no Piauí após 1930, os dois contando com o concurso do Desembargador Motta, na condição de professor de Direito e Secretário Geral do Estado.
Pelo fato de o Estado do Piauí naquela ocasião não possuir revistas jurídicas ou imprensa oficial o Código de Processo Civil foi objeto de largo debate na imprensa local da época, através dos jornais então existentes. Tendo sido publicado aos poucos em alguns jornais piauienses que circulavam na década de 1920, em especial o Piauhy, o que gerava repercussão na sociedade, pois marcava um divisor de águas no meio jurídico do Estado, haja vista que o Piauí, no que concernia as leis processuais, ainda vivia sobre os ditames de leis imperiais.
Nos anos de 1919 e 1920, os principais jornais que circulavam no Piauí eram: o Tempo (Amarante- PI), o Arrebol: órgão de literatura infantil (Teresina- PI), o Artista: órgão representativo do “Artístico- Foot-Ball-Club” (Teresina-PI), a Gazeta (Teresina-PI), o Aviso (Picos-PI), o Piauhy (Teresina-PI), e o Artista: órgão oficial da sociedade união progressista dos artistas mecânicos e liberais de Parnaíba (Parnaíba- PI). Neles eram possíveis de serem lidas notícias sobre saúde, educação e sobre política. Os jornais impressos eram a fonte viva da informação local de debates, o que ganharam os leitores. Focado em promover a resolução dos impasses e desmandos locais, os jornais tendiam a ser comprometidos com a realidade e a verdade.
Desta forma, Grande parte das informações históricas aqui veiculadas acerca do Código de Processo Civil e Comercial do Estado do Piauí foram objeto de pesquisa nos jornais que circulavam à época no Estado do Piauí, dentre elas especialmente as observações do Desembargador Cristino Castelo Branco, então membro do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, igualmente formado na Faculdade de Direito do Recife, e que era o pai do Jornalista Carlos Castello Branco.
Cristino Castelo Branco abriu um de seus artigos no Jornal “O Piauhy” afirmando
O Código do Processo Civil e Comercial do Estado está sendo publicado aos poucos, em doses homeopáticas, com uma lentidão digna das coisas do Piauí. Não faz mal, por tanto, que o vá também acompanhando a passos tardos, preguiçosamente, com estas rabugentas e despretensiosas notas à margem. E cumpre-me hoje consignar que aplausos, e não censuras, merece a parte do mesmo sobre ações especiais, onde, a par de outras vantagens, se refletem as reformas e novidades trazidas pela moderna legislação civil substantiva.
Por se tratar de um texto pautado num embasamento histórico, a grande maioria das considerações aqui veiculadas tomam por base os diversos comentários feitos por Cristino Castelo Branco, na imprensa local, por ocasião da publicação do Código de Processo Civil do Estado Piauí.
Acreditamos que os comentários feitos ao Código revelam o espírito da época e bem retratam a importância, o impacto e o destaque que a promulgação da codificação teve na sociedade local naquele momento. Assim, pontuamos que paralelamente ao texto do Código, tem igual valor histórico os comentários que foram a ele dirigidos, assinalando as críticas e ressaltando os acertos em razão do que passamos destacar alguns dos comentários feitos na época pelo Desembargador Cristino Castelo Branco acerca da Lei 964 de 17 de junho de 1920. Vejamos:
Em seus primeiros comentários, Cristino Castelo Branco assinalou que, como toda codificação, uma coletânea disciplinada de textos legais é um apanhado sistemático das regras de processo, em que não se exige do codificador grandes imaginações ou espírito de originalidade o Código de Processo Civil e Comercial do Piauí não trazia grandes inovações, mantinha, em linhas gerais as disposições do Regulamento 737, legislação promulgada originariamente para regular litígios marítimos e comerciais. De regra, todas as codificações, aliás, são assim. E, por isso mesmo, não se exige ao codificador qualidades de imaginação, nem espírito de originalidade. Os requisitos aqui são outros: raciocínio, método e conhecimento aprofundado da matéria, a serviço de uma linguagem limpa.
Nessa linha de consideração, o Código de Processo Civil do Estado do Piauí teve o condão de sistematizar, simplificar e modernizar a linguagem das leis processuais do estado.
Para Cristino Castello Branco, a codificação processual marcava uma nova era de estudos e alentos na magistratura piauiense sinalizando rumo ao progresso jurídico. Com a publicação do Código Processual Civil e Comercial do Piauí, dava-se adeus ao regulamento de número 737, de 25 de novembro de 1850, que até então regia o Piauí, mas não houve rupturas totais com as legislações anteriores. Por exemplo, pelo regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, em seu Capítulo II – Da citação, observa-se que em seu art. 39 era estabelecido que “a citação para as causas comerciais pode ser feita por despacho ou mandado do juiz, por precatória, por editos, ou com hora certa”. No Código Processual Civil e Comercial do Piauí, organizado pelo Desembargador Motta, as mesmas providencias contidas no regulamento foram mantidas. Isso mostra que João Osório Porfírio da Motta ao ordenar e codificar leis que levariam o Piauí ao progresso jurídico não hesitou em acatar medidas já estabelecidas e que ele achava pertinentes ao ordenamento jurídico. Nesta perspectiva, pode-se afirmar que houve um processo de rupturas e continuidades na reforma judiciaria feita por João Osório Porfírio da Motta.
Em seu livro Codificação Processual, Christino Castello Branco ao se referir ao Desembargador João Osório Porfírio da Motta colocou, com todas as letras, que ele nascera para ser jurista. De fato, o desembargador Motta era um especialista em Direito Jurídico e apaixonado pelo bem-estar social. Mais ainda, ele foi um homem a serviço de seu tempo, atuando ativamente na administração pública do Piauí, como Secretário-Geral do Estado, entre os anos de 1935 – 1945. São dez anos do exercício de uma função pública mais que relevante, uma vez que se deu em um período ditatorial, o Estado Novo (1937-1945), mas, no caso de João Motta, um trabalho executado como rotina administrativa e social.
Seu trabalho enquanto jurista, na elaboração do Código de Processo Civil e Comercial, em 1920, evidencia um conhecimento pessoal acerca da legislação então vigente, e também mostra sua interação com o momento histórico de recém publicação do Código Civil de 1916, e os poderes constituídos.
Segundo notícias, que foram destaques na imprensa da época, a compilação dos Códigos: Processo Penal e Civil Comercial tirou o Piauí do atraso jurídico, haja vista que até então o Estado era regido por leis do período imperial. Desta forma, o trabalho do desembargador Motta, e por via de consequência as leis por ele elaboradas, contribuíram significativamente para levar o Piauí ao progresso, seus serviços prestados fizeram o Estado seguir rumo ao progresso social.
Foi destaque na impressa local na época que o mundo jurídico do Piauí já podia se despedir do regulamento 737 porque já estava sendo publicada nas edições domingueiras da imprensa local o Código de Processo Civil e Comercial do Estado, pois, aquele estatuto processual já não satisfazia às necessidades da época urgindo uma reforma que simplificasse, aclarasse e melhorasse e aperfeiçoasse o processo à luz do direito da época e, por esta razão, o Código de Processo Civil do Estado estava causando uma boa impressão na sociedade piauiense de então, o que igualmente foi relatado no relatório de Governo do Piauí de 1920. As notícias dão conta de que o Código foi bem recebido pela sociedade local da época.
Teve destaque no debate empreendido na ocasião que o Código estadual se mostrava em harmonia com o recém promulgado Código Civil de 1916, e que a codificação das leis era uma realidade no Direito Brasileiro de então, já que muitas leis federais já estavam codificadas, dentre elas as leis civis por meio do então Código Civil Brasileiro.
O Código de Processo Civil e Comercial do Estado do Piauí (Lei 964 de 17 de junho de 1920) é composto por 1.312 artigos, divididos em duas partes: a) PARTE GERAL - Livro I (Do Processo Civil e Comercial em Geral); b) PARTE ESPECIAL - Livro II( Das Ações). A PARTE GERAL possui dois títulos: a) Título I Disposições Comuns; b) Título II do Processo. A PARTE ESPECIAL, que cuida das ações é composta de dez títulos a saber: (i) Título I Ação ordinária; (ii) Título II Ação Sumária; (iii) Título III Ação Sumaríssima; (iv) Título IV Ações Especiais; (v) Título V Dos Processos Preparatórios, Preventivos e Incidentes; (vi) Dos procedimentos administrativos; (vii) Título VII Da Execução; (viii) Título VIII Nulidades; (ix) Recursos; (x) Título X Disposições Gerais e Transitórias.
Por ocasião de sua publicação, o Código de Processo Civil e Comercial do Piauí teve como principal comentador o Desembargador Cristino Castello Branco, que dentre outras coisas destacou “que o Código de Processo Civil começa muito bem estabelecendo regras sobre a competência do juízo, porque esta é efetivamente a primeira coisa de que se deve cogitar a propositura de uma ação, sabido como é não pode haver maior defeito maior falta que a falta de poder, a falta de competência” Tece comentários que o Código dá maior amplitude ao foro da situação da coisa e afirma que “o capítulo do Código referente à competência e vários outros estão magistralmente traçados, consubstanciando o que há de melhor e mais adiantado sobre o assunto”.
De fato, na parte geral, no livro I, (do processo civil e comercial em geral) título I nas chamadas disposições comuns o código principia-se tratando da questão da competência, em seguida da citação, revelia do autor e do réu, da instancia e das ações. No artigo 53 o código estabelece que a ação quanto a sua forma é ordinária, sumaria, sumaríssima e especial, compreendida nesta classe a executiva.
Ainda em seus comentários Cristino Castelo Branco destaca que o Código dispondo sobre a citação, erige em artigo de lei a boa doutrina dos autores de então e consagrada pela jurisprudência, de que o comparecimento da parte em juízo supre a falta ou defeito da citação, exceto se ela comparece tão somente para arguir uma nulidade demonstrando ter interesse apenas em que esta seja pronunciada. Outra novidade assinalada é que o Código extinguiu a permissão do ascendente para que o descendente fosse citado. E faz uma crítica ao Código, que segundo ele deveria ter feito como alguns de outros Estados, que estabeleceram expressamente:” fica abolida a vênia para a citação, pelos descendentes, dos ascendentes legítimos, naturais, ou afins”, formulando aí uma crítica de que em havendo silencio poderia supor que continuaria em vigor a disposição da Ordenação, livro 3º, título 9º, como erroneamente se entendia entre nós durante a vigência do Regulamento 737, que nada dispunha sobre o caso.
Regulando a suspeição que, por uma curiosidade da vida local, é sempre um assunto em foco no fórum de Teresina, o codificador simplifica o rito processual, e não exige caução, nem que o processo seja iniciado, ordenado e terminado dentro de quarenta e cinco dias – tolas exigências das Ordenações, e que foram transplantadas para a lei estadual número 895 de 26 de junho de 1917, que foi revogada pelo Código.
Segue aduzindo que, em matéria de coisa julgada, o Código é de uma deficiência lamentável. Limita-se a declarar que as exceções de litispendência e coisa julgada, para procederam carecem dos requisitos de identidade da coisa, causa e pessoa, sem nada dispor a respeito desses requisitos, sobre os quais é abundante e exaustiva a lição dos mestres que poderia ter sido brilhantemente aproveitada pelo codificador. Muito menos estabelece quais sentenças fazem coisa julgada, e quais as que não fazem absolutamente.
Em compensação, o capítulo sobre autoria é excelente. Depois de fazer claramente a distinção entre nomeação e chamamento a autoria, determina, ao contrário do direito anterior, que se juiz condenar o réu a restituir a coisa demandada decidirá, na mesma sentença, quanto aos chamados a autoria, sobre as obrigações resultantes da evicção. E assim deve ser. O Regulamento 737 determinava que o preço da evicção fosse cobrado em outra ação, dificultando sobremodo as coisas e colocando o evicto em posição difícil. A solução do Código piauiense é por demais racional e jurídica, ao mesmo tempo que atende aos princípios salutares de brevidade e economia do processo. Bem agiu, por isso o codificador.
Nessa passagem verifica-se a preocupação, já naquela época, do mundo jurídico piauiense com a questão dos princípios jurídicos no âmbito do processo civil, em especial o da celeridade processual, embora o texto do código não faça expressa menção aos princípios.
Cristino Castelo Branco, seguindo em seus comentários, faz uma afirmação no sentido de que claro me parece a mim, que sendo os Códigos, como observa Ruy Barbosa, momentos destinados à longevidade secular, mal não faz que sobre eles digam, sem dolo nem malícia, os advogados amigos do ofício. E abalançando-me a tão ingente esforço em relação ao Código do Processo Civil e Comercial do Estado, não posso, com tudo, aprová-lo “in totum”, sem tugir nem mugir, como os ilustríssimos membros da Câmara Legislativa Piauiense. Para em seguida sustentar que o direito é, talvez a mais intrincada das ciências humanas, lançando mão de argumento pinçado da literatura, de que “Theobaldo”, um dos personagens de “O Coruja” de Aluísio de Azevedo, não quis ser bacharel, porque teria que estudar sessenta anos, acabando por não saber direito, fundamenta sua afirmativa em lição de Clóvis Bevilaqua que certa ocasião confessou que quanto mais se embrenha na floresta espessa do direito mais se sentia apoucado e tímido.
Castelo Branco segue em seus comentários dizendo o codificador piauiense há de permitir, portanto, que se não ache sempre boa, perfeita, inatingível em todos os pontos a sua obra, que representa aliás um alto esforço, atestador da sua cultura e capacidade de trabalho, trazendo muita vantagem e proveito a vida jurídica do Estado.
E segue o comentarista em suas considerações “se tem traços brilhantes e verdadeiramente jurídicos, alguns dos quais já salientados por mim, em outros fraquejou o Código. É assim que não foi muito feliz na parte relativa às provas que, como se sabe, são a alma do processo, são a luz que deve guiar o juiz na solução dos fatos controvertidos, estando para com o direito na mesma relação que a respiração para a existência, e que o sol para a vegetação; o juiz togado é o mesmo obrigado a julgar pelas provas dos autos, ainda que a consciência lhe dite outra coisa, e ele saiba ser a verdade o contrário do que não feito estiver provado, ao invés do que acontece com os senhores jurados, que julgam de consciência os processos crimes da sua competência, posto que alegado e provado seja o inverso.”
Ainda tecendo considerações acerca da matéria de provas o comentarista formula crítica acentuado que o Código de Processo Civil do Estado do Piauí ainda admite como prova os juramentos supletórios que já haviam sido abolidos pelo Código Civil Brasileiro de 1916 e pela laicidade do direito brasileiro.
Nas palavras do comentarista “é ponto assente entre juristas e legisladores que a enumeração dos meios de prova pertence ao direito substantivo, ficando ao direito adjetivo apenas a determinação dos modos de produzi-la. Ora, si o Código Civil, que é lei substantiva por excelência, não inclui o juramento entre os meios de prova, como o poderá incluir o Código Processual do Estado?”. Foi objeto do debate veiculado nos jornais da época “Já antes do Código Civil, Clovis, na sua Teoria Geral, escrevia que entre os meios de prova reconhecidos pelo direito não se inclui o juramento, porque, quer in litem, quer supletório, há nele a invocação de Deus, para ser testemunha do que se afirmar, envolvendo a declaração de que se aceita o castigo do perjúrio como ofensa à divindade, o que é do domínio exclusivo da religião, e se não coaduna com a laicidade do direito hodierno.”
Figurou como argumento do debate que, na época o Código Comercial Brasileiro de 1850 ainda admitia o juramento supletório, por esta razão referida prova foi inserida no Código de Processo Civil do Estado do Piauí, entretanto em crítica ao Código Cristino Castelo Branco arguiu sua revogação tácita pela Constituição de 1891. Nas palavras do próprio comentarista “Os dispositivos do dito Código, relativos a juramento, ficaram, pois, implicitamente revogados, por contrários ao espírito do regime republicano, ex-vi do disposto no art. 83 da citada Constituição.”
Como fundamentação de seu argumento sustentou que “além de tudo, não se podia mais em hipótese alguma, admitir como prova o juramento, por ter caído em completo ridículo, tendo sido, como observa Neves e Castro, uma copiosa fonte de fraudes que surgiram do abuso que dele se tem feito em todas as idades. Si aquele a quem são oferecidos os Evangelhos para impor sua mão, tem uma luva calçada, julga-se que pode prestar um juramento falso, visto que não tem a mão sobre o livro. Outras vezes, no ato de prestar juramento, entende-se que uma simples restrição mental é bastante para desobrigar. (Theoria das Provas, última edição, pag. 28)”
Finaliza este argumento sustentando que o legislador estadual quis, portanto, reviver um fóssil jurídico, enfileirando entre as espécies de prova a afirmação ou juramento supletório e a afirmação ou juramento in litem.
Por outro lado, destaca, ainda em relação as provas testemunhais, como novidade, a possibilidade de acareação das testemunhas, até então só existente no processo criminal. Indicando que é uma medida fácil, que poderia dar bons resultados e contribuir para moralizar a prova testemunhal, que na época, segundo os comentários de Cristino Castelo Branco, estava em franca e absoluta decadência, chegando a afirmar que na época a literatura jurídica dava conta e noticiava a existência de testemunhas que prestavam depoimento pagos por “5$”, sem nunca terem visto as partes ou conhecerem o negócio ou os fatos, havendo inclusive notícia de serviços institucionalizado de testemunhas falsas.
Louvando-se das lições de Clovis Beviláqua afirmou “o testemunho falso no Brasil é quase uma instituição. E, infelizmente, ainda hoje há muitos casos, de que somente por testemunhas se pode fazer prova. Clovis nota muito bem que a prova testemunhal é das mais perigosas, posto que inevitável.”
Como se verifica a questão das provas, âmbito local, foi objeto de grande debate sobre o Código de Processo Civil do Estado Piauí.
Após finalizar o debate sobre as provas o comentarista seguindo em seus comentários destaca que entre outras inovações introduzidas pelo Código, merece destaque no código: (i) a questão da dilação probatória expirar independentemente de lançamento em audiência ou certidão, fazendo-se necessária a citação em audiência, mediante pregão, para abrir-se o prazo da dilação probatória, ao contrário do que dispunha o Regulamento 737; (ii) transferiu-se as férias forenses para fevereiro e março, como era na Justiça Federal; (iii) permitiu-se aos magistrados o gozo de férias de 60(sessenta) dias em qualquer época do ano.
Digno de nota, a repercussão do Código na imprensa Piauiense da década de 20 do século passado já externava a preocupação de que o Direito deveria sair dos tribunais, das academias, dos gabinetes de trabalho em que estava encerrado, para ser admirado, acolhido e defendido por toda parte com um belo culto, diziam os jornais da época com os seguintes termos” não é demais portanto, que esteja eu, nas colunas deste jornal, a chamar atenção para o Código do Processo Civil e Comercial do Estado, que refundiu de fonde em comble a legislação processual vigente até então nesta nesga da pátria brasileira.
Os jornais descreveram que na parte geral, dividiu o Código as ações em ordinárias, sumárias e sumaríssimas e especais ocupando-se detalhadamente de cada uma delas na parte especial, chegando a destacar que o estudo ou a doutrina das ações seriam ponto mais importante da ciência jurídica. Destacaram que o Código havia privilegiado o rito sumaríssimo.
Fez parte do debate a afirmativa de que o estudo ou doutrina das ações seria o ponto mais importante da ciência jurídica, porque por meio da ação é que o homem vê e sente o direito como se este fora matéria tangível. A ação nasce do direito, dele descende, nele se confunde: em uma palavra, a ação é o direito posto em movimento (Teixeira de Freitas), é o direito em atitude defensiva (Clovis).
As notícias retrataram que a lei substantiva prescrevia que a todo o direito corresponde uma ação que o assegura, e que para propor, ou contestar ação, seria necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral. A lei adjetiva estabeleceu a marcha das ações, o modo prático de fazer valer o direito perante os tribunais. E dessa árdua incumbência não se saiu desastradamente o Código Processual do Estado.
Assinalaram que, quanto ao rito da ação ordinária, merece reparo apenas o não ter tornado facultativa, dependente de requerimento das partes, a dilação probatória, que é, não raro, uma pura ociosidade, servindo tão somente para protrair desarrazoadamente o feito, o feito, com prejuízo manifesto das partes.
Admitiu o Código, na ação ordinária, depois da contestação, e antes de assignada em audiência a dilação probatória, que o autor peça vista dos autos, por cinco dias para esclarecer a sua intenção, tendo o réu, nesse caso, igual vista para contestar as novas alegações. Estabelece assim, indiretamente, uma réplica e treplica facultativas.
Foi também objeto do debate o fato de que o Código deu maior aplicação ao processo sumário, estendendo-o a grande número de ações, como já reclamava, em 1885, na sua monografia sobre o assunto, Adolpho Cirne, catedrático e diretor da Faculdade de Direito do Recife para quem o processo sumário é o protótipo das formas de demandar em juízo, por isso mesmo que é o mais compatível com a dignidade humana, com a moralidade do foro, com a própria ideia da ação que por ele se exercita.
O comentarista destacou que o processo sumário do Código estadual não é o mesmo do Regulamento 737. Seria antes uma miniatura da ação ordinária, cujos prazos, com exceção da dilação probatória que eram de quinze dias, forma reduzidos à metade. E que, à ação sumária daquele Regulamento corresponde no Código do Piauí a sumaríssima estabelecida para as causas de valor não excedente a quinhentos mil réis.
Adaptou o legislador como critério para divisão das ações, ora o valor pecuniário da causa, ora a natureza do direito litigioso. E são essas de fato, as duas únicas bases aceitáveis para classificar os processos em relação à forma.
O comentarista consignou ainda que as ações rescisórias, as de nulidade de testamento e partilha, até então processadas ordinariamente, são sempre hoje, pelo Código, de rito sumário, no que não andou mal avisado o legislador, porque geralmente tais ações envolvem apenas questões de direito, que devem sempre ser tratadas sumariamente, por mais complexas que sejam, uma vez que o direito é certo e deve ser sabido do juiz.
E o Código do Processo Civil e Comercial do Estado, tratando das ações especiais, começa exatamente pelas ações protetoras da posse que tem agora conceito novo no direito pátrio, uma vez que a codificação civil substantiva desprezou a teoria subjetiva de Savigny, para adotar a teoria objetiva de Ilhering, que vê na posse o estado de fato correspondente ao exercício da propriedade, pouco se importando com o animus sibi habendi, com o elemento intencional da doutrina de Savigny.
Cristino Castelo Branco assinalou ainda que o Código estadual regula muito bem, acertadamente, as ações de manutenção, de esbulho, e o preceito cominatório, estabelecendo que o autor pedirá a seu favor mandado de manutenção, ou de reintegração, ou proibitório, conforme o caso. Estatue, a bem da ordem jurídica, que si o réu apresentar, com a contestação, prova de melhor posse, ou de incontestável direito de praticar os atos de que se queixa ou arreceia o autor será a defesa recebida com suspensão do mandado, expedindo-se contramandado, e sendo tudo restituído ao antigo estado. Se, porém, ambas as provas forem duvidosas, será a coisa sequestrada, na conformidade da legislação civil substantiva.
Depois disso, segue a causa os termos ulteriores, subsistindo os efeitos do mandado até final sentença. E se durante o curso da ação alguma das partes transgredir o preceito, destra, expedido mandado compulsório contra o transgressor, voltando tudo ao estado anterior à transgressão.
Constam dos comentários a observação de que foi assim que apareceu no direito adjetivo do Estado a ação de usucapião, para atender e dar forma processual à inovação introduzida no direito pátrio pela última parte do art. 550 do Código Civil Brasileiro.
A ação especial de usucapião apareceu pela primeira vez na legislação processual do Estado do Rio, em janeiro de 1919, tendo sido transplantada para o Código de Processo Civil do Piauí.
Bem avisado andou o codificador piauiense regulando a ação de usucapião, para, destarte, evitar chicanas e controvérsias injustificáveis. Estabeleceu, entretanto, que a petição inicial deveria ser instruída com uma certidão extraída do registro de imóveis do lugar da situação da coisa, por onde se verifique que ninguém lhe adquiriu o domínio pela transcrição. Deu, assim, a entender que a propriedade transcrita no registro de imóveis não poderia ser alcançada por usucapião, o que parecia não ser o sistema do nosso direito.
Os comentários sustentaram que a parte do Código estadual sobre as demais ações especiais estava bem arranjada. Que se aboliu a ação decendiaria, definitivamente com demanda por notáveis juristas, e na nunciação de obra nova não se cogita mais do embargo per jactum lapidis, por lançamento de pedras na obra, já de há muito em completo desuso. Na ação de despejo, considera-se o prédio como rústico ou urbano, não em atenção à situação deste, mas ao fim a que se destina, - boa doutrina pela qual já me batera uma vez vitoriosamente, no foro desta capital. E a ação tem sempre a mesma marcha especial, seja rústico ou urbano o prédio, quando, pelo direito anterior, o processo era ordinário ou sumário, conforme se tratava de uma ou de outra espécie de prédio.
No executivo fiscal, acabou-se com a anomalia até agora existente de ser o processo sempre instaurado nesta capital pelo Procurador dos Feitos, perante o juiz de direito da 2ª Vara, ainda que o executado residisse no Corrente ou em Santa Philomena. Pelo Código, todos os juízes de direito, no interior, são juízes dos feitos da fazenda, devendo o executivo ser promovido em cada comarca pelo respectivo promotor público. Verdade é que essa disposição é de organização judiciaria, mas, como se trata de uma boa medida, deve-se aplaudi-la, mesmo no Código processual, porque afinal para as leis de organização e de processo a competência é sempre do legislador local, que, como todo o legislador, tem por si a presunção de ser sábio, posto muitas vezes não o seja na realidade,
Disse mais o comentarista que na elaboração das leis de processo, o legislador local não poderia deixar de ter sempre presentes as leis substantivas, por serem aquelas um complemento um desdobramento destas, regulando o modo prático de tornar efetivo o direito material. Muitas vezes têm-se até as normas de direito formal como inseparáveis das de direito preceitua. E posto seja inaceitável a ideia da impossibilidade dessa separação, não se pode, contudo, deixar de reconhecer a intima ligação, a estreita complexidade existente entre as regras concernentes ao fundo e à forma dos institutos jurídicos.
O Código do Processo Civil e Comercial do Estado, regulando a ação especial para anulação de atos do poder executivo estadual ou municipal, determina que, em caso algum, na apreciação de incidentes de processo, ou no julgamento de recursos, serão anulados atos das autoridades administrativas, sob a alegação de inconstitucionais ou ilegais, devendo sempre, para tal fim, recorrer-se à mencionada ação.
O Código piauiense, nos demais dispositivos referentes à ação de anulação de atos, reproduziu, com pequenas alterações a Lei 221 da Justiça Federal.
Os comentários destacaram que era preciso consignar que, quanto à responsabilidade civil da administração, a lei substantiva, pondo termo à velha controvérsia existente entre os doutores, não faz distinção entre atos de gestão, atos praticados pelo Estado como pessoa jurídica, e atos de autoridade, atos de império, praticados pelo Estado como poder público, como governo. Quer numa, quer noutra hipótese, era sempre ressacável o dano causado pela autoridade pública.
A autoridade administrativa de quem emanou o ato, se estadual, seria representada no feito pelo ministério público; se municipal, pelo funcionário ou procurador com poderes para representar o Município em razão do cargo ou de mandato legalmente conferido.
São objeto ainda de destaque nos comentários o fato de o Código piauiense prescrever que deveria ser interposta apelação ex-ofício sempre que se julgasse contra a fazenda do Estado, tal como acontecia na Justiça Federal, onde o juiz seccional era obrigado a apelar para a suprema corte, toda vez que decidisse contra a fazenda nacional, sob pena da sentença não transitar em julgado, tornando-se inexequível.
Quando se fundasse direta e exclusivamente em dispositivos da Constituição Federal, a ação anulatória de atos das autoridades administrativas, não na justiça estadual, mas na federal, ex-vi do disposto no art. 60, letra a, da mesma Constituição, seguindo então o rito processual da lei 221, na conformidade do art. 6º do Decreto federal n. 1.939 de 28 de agosto de 1908. E o mesmo acontecerá se residir o Autor em Estado diferente.
Cristino Castelo Branco consignou ainda que a parte do Código do Processo Civil e Comercial do Estado, no atinente aos recursos, estava, incontestavelmente, bem organizada. Segundo ele o Código procurou garantir, o mais possível, o direito dos litigantes contra as prevaricações dos juízes de primeira instancia. Permitiu a apelação em cartório por termo nos autos, com duas testemunhas, independente de despacho do juiz, como já se admitia anteriormente em relação ao agravo. Quanto a este, que é de direito estrito, só podendo ser interposto nos casos taxativamente enumerados na lei, sendo o seu julgamento restrito ao ponto de que se agrava, enumera o Código sessenta e três casos dele, afora outros constantes de leis especiais, como, a de falência. Argumentou se para três dias o prazo da minuta e contraminuta. Não se exige, entretanto, a declaração da lei ofendida pelo despacho agravado, como é imprescindível na Justiça Federal e na de outros Estados da federação, parecendo a ele que nisso não andou bem avisado o legislador piauiense, pois que, segundo ele, seria sempre necessária a ofensa clara e terminante de um dispositivo de lei, para que se caracterizasse e pudesse ser legitimamente interposto o agravo.
No atinente à execução, o comentarista destacou que, o Código estatuiu que ela seria processada, salvo casos especiais, nos próprios autos da ação, e se estes tiverem subido por apelação à instancia superior, baixariam para tal fim. Segundo os comentários da época isto, certamente, seria muito mais racional e prático do que extrair-se carta de sentença, com aumento de despesas, e organização de novo processo à parte para a execução.
Os comentários destacaram ainda que o Código manteve a proibição de serem penhorados os bens e rendas do Estado e dos Municípios, que, nas palavras de Cristino Castelo Branco ficaram assim com o direito de calotear a humanidade inteira, acobertados contra qualquer execução judicial por dívidas.
Destacou mias que, as dívidas passivas dos entes federados prescreviam em cinco anos, ao passo que as suas dívidas ativas não prescreviam nunca. Segundo Cristino Castelo Branco o Código Civil de 1916 estabeleceu a imprescritibilidade destas, e estendeu a prescrição quinquenária daquelas aos Estados e aos Municípios, - benefício até então só concedido à União.
Sobre nulidade, Castelo Branco assinalou que, seria excelente a parte do Código piauiense, ao estabelecer os raros casos em que se deveriam anular os processos, aproveitando a lição dos mestres e os progressos científicos do direito judiciário. Tendo destacado em seu comentário que se via bem, pelo Código, que não se estava mais estamos mais em uma época em que a falta de uma virgula anularia o processo, se virgula nequit, causa cadit, e em que tendo alguém acionado por causa do corte de umas videiras, perdeu o processo, porque empregou na ação a palavra videira, quando a lei a não continha, mas faltava geralmente de arvores cortadas.
Enfatizou em seus comentários que em 1920, as coisas se passavam de modo diverso. Não se sacrificaria mais o fim aos meios, a substância à fórmula, louvando-se de lição de um insigne processualista, que houvera formulado a velha máxima la forme emporte le fond deve ser substituída pela inversa – le fond emporte la forme -, isto é, devia-se salvar a substância do direito, e, portanto, só quando esta perigar, pela inobservância da forma haja nulidade.
Assinalou que o Código piauiense, prescrevia, no seu artigo 1.236, que o recurso extraordinário seria interposto e processado na conformidade da legislação federal em vigor, competindo ao relator do feito, ou ao juiz da última instância, ordenar os atos do respectivo processo, enquanto não forem remetidos os autos ao Supremo Tribunal Federal.
Além dos Comentários de Cristino Castelo Branco, a Mensagem apresentada a Câmara Legislativa em primeiro de junho de 1921, outro documento histórico do Estado do Piauí, ressaltou os benefícios advindo da Lei n 964 de 17 de junho de 1920. A mensagem destacou a modernização da legislação aluz da doutrina recente na época e que a balburdia processual desapareceu, para dar lugar à organização impessoal e sistemática das regras adjetivas, que somente poucos Estados da União tinham deixado de codificar.
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No Brasil, o processo de transição do período monárquico para o período republicano implicou em alterações na estrutura do governo, que estava sendo abalado por parte dos setores da elite. No final do século XIX, parte da elite estava descontente com o governo de D. Pedro II, que ainda utilizava o poder Moderador para governar. Dentre os descontentes, estavam os cafeicultores, que após a promulgações de leis abolicionistas, especialmente a Lei Áurea, que libertou todos os escravos sem pagar indenizações, passaram a criticar o governo imperial, e os militares do Exército, que saíram prestigiados da Guerra do Paraguai, e reivindicavam melhores salários e mais participação no governo. Vários militares do Exército também apoiavam o Positivismo, tanto na sua versão religiosa quanto nas suas aspirações filosófica, e acreditavam que era seguindo o lema de ordem e progresso que o Brasil poderia galgar melhores status sociais e econômicos.
Este ambiente tenso criou esteio para a proclamação da República Federativa do Brasil, que foi estabelecida no dia 15 de novembro de 1889, tendo à frente do movimento republicano os militares do Exército, dos quais se destacou Benjamin Constant. Assim, do dia para noite, o Brasil saiu de um longo regime monárquico e entrava num regimento de governo republicano. De acordo com Murilo de Carvalho, “a proclamação da República trouxe grandes expectativas de renovação política, de maior participação no poder por parte não só das elites, mas também das camadas antes excluídas do jogo político”.
A mudança do regime político exigia a permuta da Carta Magna, haja vista que a Constituição Federal de 1824 estabelecia quatro poderes, a saber: Moderador, Executivo, Legislativo e Judiciário, e o poder Moderador, exercido pelo monarca, e, uma vez que o rei do D. Pedro II fora destituído do trono, não fazia mais sentido tal poder absolutista continuar existindo no Brasil.
Neste mote, foi escolhida uma Assembleia para a elaboração da nova Carta Magna do país, a preparação do documento demorou poucos meses, e parte da redação do texto constitucional ficou a cargo dos juristas Rui Barbosa e Prudente de Morais. Os juristas se inspiraram na Carta Magna dos Estados Unidos, e, assim, enquadrava-se o Brasil na tradição liberal norte-americana de organização federativa e do individualismo político e econômico. Desta forma, a Constituição Federal de 1891 tinha como eixo a federalização dos Estados e a descentralização do poder, mas sem perder o elo de união nacional e territorial. Levando isso em consideração, e, considerando também a influência da Carta Magna norte-americana, o país ficou conhecido como “Estados Unidos do Brasil”.
Em 24 de fevereiro de 1891, após uma breve discussão parlamentar que durou três meses e nove dias, foi aprovada e promulgada a nova Constituição do Brasil. Dentre as várias normas estabelecidas, que traçaram um novo perfil institucional para o país, o federalismo era a grande inovação da Constituição de 1891; mais até que o individualismo. Pois, de acordo com Sérgio Trindade, “a inspiração liberal do individualismo político e econômico, ascendente no século XIX, já deixara sua marca na primeira Constituição, a de 1824”. O federalismo, almejado pelos membros do Partido Liberal desde a época imperial, foi implantado em substituição ao centralismo do império, isso possibilitou aos Estados amplo poder.
Assim, a Constituição Federal de 1891, em seu artigo 63o, estabelecia que, “cada Estado se reger-se-á pela Constituição e leis que adotar, “respeitados os princípios constitucionais da União”. Para Sérgio Trindade, “esse dispositivo permitia aos estados, por exemplo, cobrar impostos interestaduais, decretar impostos de exportação, contrair empréstimos no exterior, elaborar sistema eleitoral e judiciário próprios, organizar força militar, etc.”.
A reforma judiciaria seria executada nos vários entes da federação. No Piauí, houve alvoroço e grande expectativa sobre essa reforma. Em 19 de junho de 1910, foi publicado nota no Jornal O Apostolo que trazia a seguinte informação:
O governo fez distribuir pelos colegas da situação e pelos magistrados um folheto contendo informação sobre o projeto da reforma judiciária do Estado. À primeira vista parece que teve a pretensão de colher o parecer dos doutores para a execução desse trabalho vasto e complexo trabalho, mas ao que se diz é que o projeto será aprovado nesta próxima sessão, não havendo tempo para esperar.
Sem dúvida que havia uma necessidade de se executar a reforma judiciaria em tempo ágil, haja vista que o sistema governamental estava modificado, e, havia a inevitabilidade de se estabelecer meios jurídicos que estivessem em consonância com as novas regras daquela sociedade. A Constituição de 1891, instituiu a dualidade da justiça (federal e estadual), e aos entes federados a prerrogativa de organização do Poder Judiciário Estadual. No Piauí, a elaboração de leis que deveriam reger o Estado e a reforma judiciária ficaram a cargo do jurista João Osório Porfírio da Motta, que nasceu em Parnaíba, em 1870.
João Motta, que na juventude foi militar, tornou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, ao retornar ao Piauí foi deputado estadual, depois tornando-se magistrado e exerceu o cargo de juiz por vários anos em Parnaíba, Batalha, Barras e Teresina (capital do Estado), depois tornou-se Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, tendo sido um de seus presidentes. Foi professor de Direito Judiciário Civil na Faculdade de Direito do Piauí, de que foi um de seus fundadores. Sua passagem pela magistratura foi marcante de tal forma que passou ser conhecido por - Desembargador Motta.
A escolha do jurista foi criteriosa, o mentor do projeto teve que passar pelo crivo dos deputados e governador, e após sabatinado, feito o texto base, a reforma foi aprovada e sancionada em forma de lei, como Lei da Reforma Judiciária Estadual, de número 652, de 25 de julho de 1911, recebendo a alcunha de obra-prima.
A reforma judiciaria elaborada por João Osório Porfírio da Motta seguia em comum acordo com as normas estabelecidas pela Constituição Federal de 1891, e, também teve inspiração em ditames jurídicos da Faculdade de Direito do Recife, grande centro de formação jurídica da elite piauiense no período, e que exerceu enorme influência no mundo jurídico do Piauí daquela época. Ademais, essas ações no meio jurídico estavam em consonância com o que ocorria no Brasil e no Piauí, haja vista que grande parte da civilização brasileira, em sua grande maioria agraria, almejava se apartar dos resquícios imperiais, levando, assim, o país ao progresso.
A reforma judiciaria organizada por João Osório Porfírio da Motta atendia aos anseios do governador do Estado do Piauí, Antonino Freire da Silva, pois em mensagem apresentada à Câmara Legislativa o governador disse, “considero de toda a conveniência, que na reforma judiciária, armeis o Ministério Público dos meios necessários para promover, mais eficazmente, a fiscalização da justiça, incumbindo-o da organização da estatística judiciária e criminal do Estado, e dando-lhe recurso para fazê-lo”. Ao realizar a reforma, João Osório Porfírio da Motta estabeleceu que incumbia ao promotor da capital, e, em geral aos promotores das outras comarcas, denunciar todos os crimes e contravenções de qualquer espécie.
Lei da Reforma Judiciária Estadual, de número 652, de 25 de julho de 1911, foi o ponto de partida para o surgimento de outras leis de tão magnitude importância para o Estado do Piauí, como exemplo do Código Processual Penal, publicado em 1919, e do Código Processual Civil e Comercial do Piauí, publicado em 1920, todos elaborados e organizados pelo jurista João Osório Porfírio da Motta.
Mesmo tendo os Estados ficando com a competência, como estabelecia a Constituição Federal de 1891, de legiferar sobre o Direito Formal, no final da primeira década republicana, o Piauí ainda era um dos ententes federados que não tinham um Código de Processo Penal e de Processo Civil e Comercial, “regendo-se ainda pelas velhas leis processuais do império, e por poucas leis próprias, esparsas e elaboradas sem métodos, elaboradas quase sempre sob as pressões das conveniências pessoais do momento”. Neste sentido, e de acordo como Desembargador Cristino Castello Branco, “a codificação do nosso direito adjetivo, veio, portanto, encarreira-nos na trilha dos Estados cultos. Demos um passo a diante, saímos do caos, da anarquia processual”.
A ação do Desembargador Motta, inspirado em leis de alhures, como os Códigos da Bahia, do Maranhão e do Rio de Janeiro, em codificar e estabelecer os Código Processual Penal do Piauí e o Código Processual Civil e Comercial do Estado, como estabeleceu Cristino Castello Branco, foi de suma importância para o progresso jurídico do Estado; ao estabelecer esses códigos, que ordenavam e sistematizavam as normas e tipificavam os crimes, eliminando lacunas jurídicas e redundâncias, criava uma identidade piauiense no campo jurídico, e isso estava em perfeita simetria com o que era estabelecido na Constituição Federal de 1891, ao estabelecer o federalismo, ou seja, dava possibilidade para os Estados criarem suas próprias leis, para terem vigência em suas realidades político sociais.
Fixados estes pontos, é relevante destacar que o Código de Processo Civil e Comercial do Estado do Piauí foi elaborado em uma época em que o estado ainda não possui faculdade de Direito e tampouco existia o Diário Oficial (imprensa oficial), ambos só foram institucionalizados no Piauí após 1930, os dois contando com o concurso do Desembargador Motta, na condição de professor de Direito e Secretário Geral do Estado.
Pelo fato de o Estado do Piauí naquela ocasião não possuir revistas jurídicas ou imprensa oficial o Código de Processo Civil foi objeto de largo debate na imprensa local da época, através dos jornais então existentes. Tendo sido publicado aos poucos em alguns jornais piauienses que circulavam na década de 1920, em especial o Piauhy, o que gerava repercussão na sociedade, pois marcava um divisor de águas no meio jurídico do Estado, haja vista que o Piauí, no que concernia as leis processuais, ainda vivia sobre os ditames de leis imperiais.
Nos anos de 1919 e 1920, os principais jornais que circulavam no Piauí eram: o Tempo (Amarante- PI), o Arrebol: órgão de literatura infantil (Teresina- PI), o Artista: órgão representativo do “Artístico- Foot-Ball-Club” (Teresina-PI), a Gazeta (Teresina-PI), o Aviso (Picos-PI), o Piauhy (Teresina-PI), e o Artista: órgão oficial da sociedade união progressista dos artistas mecânicos e liberais de Parnaíba (Parnaíba- PI). Neles eram possíveis de serem lidas notícias sobre saúde, educação e sobre política. Os jornais impressos eram a fonte viva da informação local de debates, o que ganharam os leitores. Focado em promover a resolução dos impasses e desmandos locais, os jornais tendiam a ser comprometidos com a realidade e a verdade.
Desta forma, Grande parte das informações históricas aqui veiculadas acerca do Código de Processo Civil e Comercial do Estado do Piauí foram objeto de pesquisa nos jornais que circulavam à época no Estado do Piauí, dentre elas especialmente as observações do Desembargador Cristino Castelo Branco, então membro do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, igualmente formado na Faculdade de Direito do Recife, e que era o pai do Jornalista Carlos Castello Branco.
Cristino Castelo Branco abriu um de seus artigos no Jornal “O Piauhy” afirmando
O Código do Processo Civil e Comercial do Estado está sendo publicado aos poucos, em doses homeopáticas, com uma lentidão digna das coisas do Piauí. Não faz mal, por tanto, que o vá também acompanhando a passos tardos, preguiçosamente, com estas rabugentas e despretensiosas notas à margem. E cumpre-me hoje consignar que aplausos, e não censuras, merece a parte do mesmo sobre ações especiais, onde, a par de outras vantagens, se refletem as reformas e novidades trazidas pela moderna legislação civil substantiva.
Por se tratar de um texto pautado num embasamento histórico, a grande maioria das considerações aqui veiculadas tomam por base os diversos comentários feitos por Cristino Castelo Branco, na imprensa local, por ocasião da publicação do Código de Processo Civil do Estado Piauí.
Acreditamos que os comentários feitos ao Código revelam o espírito da época e bem retratam a importância, o impacto e o destaque que a promulgação da codificação teve na sociedade local naquele momento. Assim, pontuamos que paralelamente ao texto do Código, tem igual valor histórico os comentários que foram a ele dirigidos, assinalando as críticas e ressaltando os acertos em razão do que passamos destacar alguns dos comentários feitos na época pelo Desembargador Cristino Castelo Branco acerca da Lei 964 de 17 de junho de 1920. Vejamos:
Em seus primeiros comentários, Cristino Castelo Branco assinalou que, como toda codificação, uma coletânea disciplinada de textos legais é um apanhado sistemático das regras de processo, em que não se exige do codificador grandes imaginações ou espírito de originalidade o Código de Processo Civil e Comercial do Piauí não trazia grandes inovações, mantinha, em linhas gerais as disposições do Regulamento 737, legislação promulgada originariamente para regular litígios marítimos e comerciais. De regra, todas as codificações, aliás, são assim. E, por isso mesmo, não se exige ao codificador qualidades de imaginação, nem espírito de originalidade. Os requisitos aqui são outros: raciocínio, método e conhecimento aprofundado da matéria, a serviço de uma linguagem limpa.
Nessa linha de consideração, o Código de Processo Civil do Estado do Piauí teve o condão de sistematizar, simplificar e modernizar a linguagem das leis processuais do estado.
Para Cristino Castello Branco, a codificação processual marcava uma nova era de estudos e alentos na magistratura piauiense sinalizando rumo ao progresso jurídico. Com a publicação do Código Processual Civil e Comercial do Piauí, dava-se adeus ao regulamento de número 737, de 25 de novembro de 1850, que até então regia o Piauí, mas não houve rupturas totais com as legislações anteriores. Por exemplo, pelo regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, em seu Capítulo II – Da citação, observa-se que em seu art. 39 era estabelecido que “a citação para as causas comerciais pode ser feita por despacho ou mandado do juiz, por precatória, por editos, ou com hora certa”. No Código Processual Civil e Comercial do Piauí, organizado pelo Desembargador Motta, as mesmas providencias contidas no regulamento foram mantidas. Isso mostra que João Osório Porfírio da Motta ao ordenar e codificar leis que levariam o Piauí ao progresso jurídico não hesitou em acatar medidas já estabelecidas e que ele achava pertinentes ao ordenamento jurídico. Nesta perspectiva, pode-se afirmar que houve um processo de rupturas e continuidades na reforma judiciaria feita por João Osório Porfírio da Motta.
Em seu livro Codificação Processual, Christino Castello Branco ao se referir ao Desembargador João Osório Porfírio da Motta colocou, com todas as letras, que ele nascera para ser jurista. De fato, o desembargador Motta era um especialista em Direito Jurídico e apaixonado pelo bem-estar social. Mais ainda, ele foi um homem a serviço de seu tempo, atuando ativamente na administração pública do Piauí, como Secretário-Geral do Estado, entre os anos de 1935 – 1945. São dez anos do exercício de uma função pública mais que relevante, uma vez que se deu em um período ditatorial, o Estado Novo (1937-1945), mas, no caso de João Motta, um trabalho executado como rotina administrativa e social.
Seu trabalho enquanto jurista, na elaboração do Código de Processo Civil e Comercial, em 1920, evidencia um conhecimento pessoal acerca da legislação então vigente, e também mostra sua interação com o momento histórico de recém publicação do Código Civil de 1916, e os poderes constituídos.
Segundo notícias, que foram destaques na imprensa da época, a compilação dos Códigos: Processo Penal e Civil Comercial tirou o Piauí do atraso jurídico, haja vista que até então o Estado era regido por leis do período imperial. Desta forma, o trabalho do desembargador Motta, e por via de consequência as leis por ele elaboradas, contribuíram significativamente para levar o Piauí ao progresso, seus serviços prestados fizeram o Estado seguir rumo ao progresso social.
Foi destaque na impressa local na época que o mundo jurídico do Piauí já podia se despedir do regulamento 737 porque já estava sendo publicada nas edições domingueiras da imprensa local o Código de Processo Civil e Comercial do Estado, pois, aquele estatuto processual já não satisfazia às necessidades da época urgindo uma reforma que simplificasse, aclarasse e melhorasse e aperfeiçoasse o processo à luz do direito da época e, por esta razão, o Código de Processo Civil do Estado estava causando uma boa impressão na sociedade piauiense de então, o que igualmente foi relatado no relatório de Governo do Piauí de 1920. As notícias dão conta de que o Código foi bem recebido pela sociedade local da época.
Teve destaque no debate empreendido na ocasião que o Código estadual se mostrava em harmonia com o recém promulgado Código Civil de 1916, e que a codificação das leis era uma realidade no Direito Brasileiro de então, já que muitas leis federais já estavam codificadas, dentre elas as leis civis por meio do então Código Civil Brasileiro.
O Código de Processo Civil e Comercial do Estado do Piauí (Lei 964 de 17 de junho de 1920) é composto por 1.312 artigos, divididos em duas partes: a) PARTE GERAL - Livro I (Do Processo Civil e Comercial em Geral); b) PARTE ESPECIAL - Livro II( Das Ações). A PARTE GERAL possui dois títulos: a) Título I Disposições Comuns; b) Título II do Processo. A PARTE ESPECIAL, que cuida das ações é composta de dez títulos a saber: (i) Título I Ação ordinária; (ii) Título II Ação Sumária; (iii) Título III Ação Sumaríssima; (iv) Título IV Ações Especiais; (v) Título V Dos Processos Preparatórios, Preventivos e Incidentes; (vi) Dos procedimentos administrativos; (vii) Título VII Da Execução; (viii) Título VIII Nulidades; (ix) Recursos; (x) Título X Disposições Gerais e Transitórias.
Por ocasião de sua publicação, o Código de Processo Civil e Comercial do Piauí teve como principal comentador o Desembargador Cristino Castello Branco, que dentre outras coisas destacou “que o Código de Processo Civil começa muito bem estabelecendo regras sobre a competência do juízo, porque esta é efetivamente a primeira coisa de que se deve cogitar a propositura de uma ação, sabido como é não pode haver maior defeito maior falta que a falta de poder, a falta de competência” Tece comentários que o Código dá maior amplitude ao foro da situação da coisa e afirma que “o capítulo do Código referente à competência e vários outros estão magistralmente traçados, consubstanciando o que há de melhor e mais adiantado sobre o assunto”.
De fato, na parte geral, no livro I, (do processo civil e comercial em geral) título I nas chamadas disposições comuns o código principia-se tratando da questão da competência, em seguida da citação, revelia do autor e do réu, da instancia e das ações. No artigo 53 o código estabelece que a ação quanto a sua forma é ordinária, sumaria, sumaríssima e especial, compreendida nesta classe a executiva.
Ainda em seus comentários Cristino Castelo Branco destaca que o Código dispondo sobre a citação, erige em artigo de lei a boa doutrina dos autores de então e consagrada pela jurisprudência, de que o comparecimento da parte em juízo supre a falta ou defeito da citação, exceto se ela comparece tão somente para arguir uma nulidade demonstrando ter interesse apenas em que esta seja pronunciada. Outra novidade assinalada é que o Código extinguiu a permissão do ascendente para que o descendente fosse citado. E faz uma crítica ao Código, que segundo ele deveria ter feito como alguns de outros Estados, que estabeleceram expressamente:” fica abolida a vênia para a citação, pelos descendentes, dos ascendentes legítimos, naturais, ou afins”, formulando aí uma crítica de que em havendo silencio poderia supor que continuaria em vigor a disposição da Ordenação, livro 3º, título 9º, como erroneamente se entendia entre nós durante a vigência do Regulamento 737, que nada dispunha sobre o caso.
Regulando a suspeição que, por uma curiosidade da vida local, é sempre um assunto em foco no fórum de Teresina, o codificador simplifica o rito processual, e não exige caução, nem que o processo seja iniciado, ordenado e terminado dentro de quarenta e cinco dias – tolas exigências das Ordenações, e que foram transplantadas para a lei estadual número 895 de 26 de junho de 1917, que foi revogada pelo Código.
Segue aduzindo que, em matéria de coisa julgada, o Código é de uma deficiência lamentável. Limita-se a declarar que as exceções de litispendência e coisa julgada, para procederam carecem dos requisitos de identidade da coisa, causa e pessoa, sem nada dispor a respeito desses requisitos, sobre os quais é abundante e exaustiva a lição dos mestres que poderia ter sido brilhantemente aproveitada pelo codificador. Muito menos estabelece quais sentenças fazem coisa julgada, e quais as que não fazem absolutamente.
Em compensação, o capítulo sobre autoria é excelente. Depois de fazer claramente a distinção entre nomeação e chamamento a autoria, determina, ao contrário do direito anterior, que se juiz condenar o réu a restituir a coisa demandada decidirá, na mesma sentença, quanto aos chamados a autoria, sobre as obrigações resultantes da evicção. E assim deve ser. O Regulamento 737 determinava que o preço da evicção fosse cobrado em outra ação, dificultando sobremodo as coisas e colocando o evicto em posição difícil. A solução do Código piauiense é por demais racional e jurídica, ao mesmo tempo que atende aos princípios salutares de brevidade e economia do processo. Bem agiu, por isso o codificador.
Nessa passagem verifica-se a preocupação, já naquela época, do mundo jurídico piauiense com a questão dos princípios jurídicos no âmbito do processo civil, em especial o da celeridade processual, embora o texto do código não faça expressa menção aos princípios.
Cristino Castelo Branco, seguindo em seus comentários, faz uma afirmação no sentido de que claro me parece a mim, que sendo os Códigos, como observa Ruy Barbosa, momentos destinados à longevidade secular, mal não faz que sobre eles digam, sem dolo nem malícia, os advogados amigos do ofício. E abalançando-me a tão ingente esforço em relação ao Código do Processo Civil e Comercial do Estado, não posso, com tudo, aprová-lo “in totum”, sem tugir nem mugir, como os ilustríssimos membros da Câmara Legislativa Piauiense. Para em seguida sustentar que o direito é, talvez a mais intrincada das ciências humanas, lançando mão de argumento pinçado da literatura, de que “Theobaldo”, um dos personagens de “O Coruja” de Aluísio de Azevedo, não quis ser bacharel, porque teria que estudar sessenta anos, acabando por não saber direito, fundamenta sua afirmativa em lição de Clóvis Bevilaqua que certa ocasião confessou que quanto mais se embrenha na floresta espessa do direito mais se sentia apoucado e tímido.
Castelo Branco segue em seus comentários dizendo o codificador piauiense há de permitir, portanto, que se não ache sempre boa, perfeita, inatingível em todos os pontos a sua obra, que representa aliás um alto esforço, atestador da sua cultura e capacidade de trabalho, trazendo muita vantagem e proveito a vida jurídica do Estado.
E segue o comentarista em suas considerações “se tem traços brilhantes e verdadeiramente jurídicos, alguns dos quais já salientados por mim, em outros fraquejou o Código. É assim que não foi muito feliz na parte relativa às provas que, como se sabe, são a alma do processo, são a luz que deve guiar o juiz na solução dos fatos controvertidos, estando para com o direito na mesma relação que a respiração para a existência, e que o sol para a vegetação; o juiz togado é o mesmo obrigado a julgar pelas provas dos autos, ainda que a consciência lhe dite outra coisa, e ele saiba ser a verdade o contrário do que não feito estiver provado, ao invés do que acontece com os senhores jurados, que julgam de consciência os processos crimes da sua competência, posto que alegado e provado seja o inverso.”
Ainda tecendo considerações acerca da matéria de provas o comentarista formula crítica acentuado que o Código de Processo Civil do Estado do Piauí ainda admite como prova os juramentos supletórios que já haviam sido abolidos pelo Código Civil Brasileiro de 1916 e pela laicidade do direito brasileiro.
Nas palavras do comentarista “é ponto assente entre juristas e legisladores que a enumeração dos meios de prova pertence ao direito substantivo, ficando ao direito adjetivo apenas a determinação dos modos de produzi-la. Ora, si o Código Civil, que é lei substantiva por excelência, não inclui o juramento entre os meios de prova, como o poderá incluir o Código Processual do Estado?”. Foi objeto do debate veiculado nos jornais da época “Já antes do Código Civil, Clovis, na sua Teoria Geral, escrevia que entre os meios de prova reconhecidos pelo direito não se inclui o juramento, porque, quer in litem, quer supletório, há nele a invocação de Deus, para ser testemunha do que se afirmar, envolvendo a declaração de que se aceita o castigo do perjúrio como ofensa à divindade, o que é do domínio exclusivo da religião, e se não coaduna com a laicidade do direito hodierno.”
Figurou como argumento do debate que, na época o Código Comercial Brasileiro de 1850 ainda admitia o juramento supletório, por esta razão referida prova foi inserida no Código de Processo Civil do Estado do Piauí, entretanto em crítica ao Código Cristino Castelo Branco arguiu sua revogação tácita pela Constituição de 1891. Nas palavras do próprio comentarista “Os dispositivos do dito Código, relativos a juramento, ficaram, pois, implicitamente revogados, por contrários ao espírito do regime republicano, ex-vi do disposto no art. 83 da citada Constituição.”
Como fundamentação de seu argumento sustentou que “além de tudo, não se podia mais em hipótese alguma, admitir como prova o juramento, por ter caído em completo ridículo, tendo sido, como observa Neves e Castro, uma copiosa fonte de fraudes que surgiram do abuso que dele se tem feito em todas as idades. Si aquele a quem são oferecidos os Evangelhos para impor sua mão, tem uma luva calçada, julga-se que pode prestar um juramento falso, visto que não tem a mão sobre o livro. Outras vezes, no ato de prestar juramento, entende-se que uma simples restrição mental é bastante para desobrigar. (Theoria das Provas, última edição, pag. 28)”
Finaliza este argumento sustentando que o legislador estadual quis, portanto, reviver um fóssil jurídico, enfileirando entre as espécies de prova a afirmação ou juramento supletório e a afirmação ou juramento in litem.
Por outro lado, destaca, ainda em relação as provas testemunhais, como novidade, a possibilidade de acareação das testemunhas, até então só existente no processo criminal. Indicando que é uma medida fácil, que poderia dar bons resultados e contribuir para moralizar a prova testemunhal, que na época, segundo os comentários de Cristino Castelo Branco, estava em franca e absoluta decadência, chegando a afirmar que na época a literatura jurídica dava conta e noticiava a existência de testemunhas que prestavam depoimento pagos por “5$”, sem nunca terem visto as partes ou conhecerem o negócio ou os fatos, havendo inclusive notícia de serviços institucionalizado de testemunhas falsas.
Louvando-se das lições de Clovis Beviláqua afirmou “o testemunho falso no Brasil é quase uma instituição. E, infelizmente, ainda hoje há muitos casos, de que somente por testemunhas se pode fazer prova. Clovis nota muito bem que a prova testemunhal é das mais perigosas, posto que inevitável.”
Como se verifica a questão das provas, âmbito local, foi objeto de grande debate sobre o Código de Processo Civil do Estado Piauí.
Após finalizar o debate sobre as provas o comentarista seguindo em seus comentários destaca que entre outras inovações introduzidas pelo Código, merece destaque no código: (i) a questão da dilação probatória expirar independentemente de lançamento em audiência ou certidão, fazendo-se necessária a citação em audiência, mediante pregão, para abrir-se o prazo da dilação probatória, ao contrário do que dispunha o Regulamento 737; (ii) transferiu-se as férias forenses para fevereiro e março, como era na Justiça Federal; (iii) permitiu-se aos magistrados o gozo de férias de 60(sessenta) dias em qualquer época do ano.
Digno de nota, a repercussão do Código na imprensa Piauiense da década de 20 do século passado já externava a preocupação de que o Direito deveria sair dos tribunais, das academias, dos gabinetes de trabalho em que estava encerrado, para ser admirado, acolhido e defendido por toda parte com um belo culto, diziam os jornais da época com os seguintes termos” não é demais portanto, que esteja eu, nas colunas deste jornal, a chamar atenção para o Código do Processo Civil e Comercial do Estado, que refundiu de fonde em comble a legislação processual vigente até então nesta nesga da pátria brasileira.
Os jornais descreveram que na parte geral, dividiu o Código as ações em ordinárias, sumárias e sumaríssimas e especais ocupando-se detalhadamente de cada uma delas na parte especial, chegando a destacar que o estudo ou a doutrina das ações seriam ponto mais importante da ciência jurídica. Destacaram que o Código havia privilegiado o rito sumaríssimo.
Fez parte do debate a afirmativa de que o estudo ou doutrina das ações seria o ponto mais importante da ciência jurídica, porque por meio da ação é que o homem vê e sente o direito como se este fora matéria tangível. A ação nasce do direito, dele descende, nele se confunde: em uma palavra, a ação é o direito posto em movimento (Teixeira de Freitas), é o direito em atitude defensiva (Clovis).
As notícias retrataram que a lei substantiva prescrevia que a todo o direito corresponde uma ação que o assegura, e que para propor, ou contestar ação, seria necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral. A lei adjetiva estabeleceu a marcha das ações, o modo prático de fazer valer o direito perante os tribunais. E dessa árdua incumbência não se saiu desastradamente o Código Processual do Estado.
Assinalaram que, quanto ao rito da ação ordinária, merece reparo apenas o não ter tornado facultativa, dependente de requerimento das partes, a dilação probatória, que é, não raro, uma pura ociosidade, servindo tão somente para protrair desarrazoadamente o feito, o feito, com prejuízo manifesto das partes.
Admitiu o Código, na ação ordinária, depois da contestação, e antes de assignada em audiência a dilação probatória, que o autor peça vista dos autos, por cinco dias para esclarecer a sua intenção, tendo o réu, nesse caso, igual vista para contestar as novas alegações. Estabelece assim, indiretamente, uma réplica e treplica facultativas.
Foi também objeto do debate o fato de que o Código deu maior aplicação ao processo sumário, estendendo-o a grande número de ações, como já reclamava, em 1885, na sua monografia sobre o assunto, Adolpho Cirne, catedrático e diretor da Faculdade de Direito do Recife para quem o processo sumário é o protótipo das formas de demandar em juízo, por isso mesmo que é o mais compatível com a dignidade humana, com a moralidade do foro, com a própria ideia da ação que por ele se exercita.
O comentarista destacou que o processo sumário do Código estadual não é o mesmo do Regulamento 737. Seria antes uma miniatura da ação ordinária, cujos prazos, com exceção da dilação probatória que eram de quinze dias, forma reduzidos à metade. E que, à ação sumária daquele Regulamento corresponde no Código do Piauí a sumaríssima estabelecida para as causas de valor não excedente a quinhentos mil réis.
Adaptou o legislador como critério para divisão das ações, ora o valor pecuniário da causa, ora a natureza do direito litigioso. E são essas de fato, as duas únicas bases aceitáveis para classificar os processos em relação à forma.
O comentarista consignou ainda que as ações rescisórias, as de nulidade de testamento e partilha, até então processadas ordinariamente, são sempre hoje, pelo Código, de rito sumário, no que não andou mal avisado o legislador, porque geralmente tais ações envolvem apenas questões de direito, que devem sempre ser tratadas sumariamente, por mais complexas que sejam, uma vez que o direito é certo e deve ser sabido do juiz.
E o Código do Processo Civil e Comercial do Estado, tratando das ações especiais, começa exatamente pelas ações protetoras da posse que tem agora conceito novo no direito pátrio, uma vez que a codificação civil substantiva desprezou a teoria subjetiva de Savigny, para adotar a teoria objetiva de Ilhering, que vê na posse o estado de fato correspondente ao exercício da propriedade, pouco se importando com o animus sibi habendi, com o elemento intencional da doutrina de Savigny.
Cristino Castelo Branco assinalou ainda que o Código estadual regula muito bem, acertadamente, as ações de manutenção, de esbulho, e o preceito cominatório, estabelecendo que o autor pedirá a seu favor mandado de manutenção, ou de reintegração, ou proibitório, conforme o caso. Estatue, a bem da ordem jurídica, que si o réu apresentar, com a contestação, prova de melhor posse, ou de incontestável direito de praticar os atos de que se queixa ou arreceia o autor será a defesa recebida com suspensão do mandado, expedindo-se contramandado, e sendo tudo restituído ao antigo estado. Se, porém, ambas as provas forem duvidosas, será a coisa sequestrada, na conformidade da legislação civil substantiva.
Depois disso, segue a causa os termos ulteriores, subsistindo os efeitos do mandado até final sentença. E se durante o curso da ação alguma das partes transgredir o preceito, destra, expedido mandado compulsório contra o transgressor, voltando tudo ao estado anterior à transgressão.
Constam dos comentários a observação de que foi assim que apareceu no direito adjetivo do Estado a ação de usucapião, para atender e dar forma processual à inovação introduzida no direito pátrio pela última parte do art. 550 do Código Civil Brasileiro.
A ação especial de usucapião apareceu pela primeira vez na legislação processual do Estado do Rio, em janeiro de 1919, tendo sido transplantada para o Código de Processo Civil do Piauí.
Bem avisado andou o codificador piauiense regulando a ação de usucapião, para, destarte, evitar chicanas e controvérsias injustificáveis. Estabeleceu, entretanto, que a petição inicial deveria ser instruída com uma certidão extraída do registro de imóveis do lugar da situação da coisa, por onde se verifique que ninguém lhe adquiriu o domínio pela transcrição. Deu, assim, a entender que a propriedade transcrita no registro de imóveis não poderia ser alcançada por usucapião, o que parecia não ser o sistema do nosso direito.
Os comentários sustentaram que a parte do Código estadual sobre as demais ações especiais estava bem arranjada. Que se aboliu a ação decendiaria, definitivamente com demanda por notáveis juristas, e na nunciação de obra nova não se cogita mais do embargo per jactum lapidis, por lançamento de pedras na obra, já de há muito em completo desuso. Na ação de despejo, considera-se o prédio como rústico ou urbano, não em atenção à situação deste, mas ao fim a que se destina, - boa doutrina pela qual já me batera uma vez vitoriosamente, no foro desta capital. E a ação tem sempre a mesma marcha especial, seja rústico ou urbano o prédio, quando, pelo direito anterior, o processo era ordinário ou sumário, conforme se tratava de uma ou de outra espécie de prédio.
No executivo fiscal, acabou-se com a anomalia até agora existente de ser o processo sempre instaurado nesta capital pelo Procurador dos Feitos, perante o juiz de direito da 2ª Vara, ainda que o executado residisse no Corrente ou em Santa Philomena. Pelo Código, todos os juízes de direito, no interior, são juízes dos feitos da fazenda, devendo o executivo ser promovido em cada comarca pelo respectivo promotor público. Verdade é que essa disposição é de organização judiciaria, mas, como se trata de uma boa medida, deve-se aplaudi-la, mesmo no Código processual, porque afinal para as leis de organização e de processo a competência é sempre do legislador local, que, como todo o legislador, tem por si a presunção de ser sábio, posto muitas vezes não o seja na realidade,
Disse mais o comentarista que na elaboração das leis de processo, o legislador local não poderia deixar de ter sempre presentes as leis substantivas, por serem aquelas um complemento um desdobramento destas, regulando o modo prático de tornar efetivo o direito material. Muitas vezes têm-se até as normas de direito formal como inseparáveis das de direito preceitua. E posto seja inaceitável a ideia da impossibilidade dessa separação, não se pode, contudo, deixar de reconhecer a intima ligação, a estreita complexidade existente entre as regras concernentes ao fundo e à forma dos institutos jurídicos.
O Código do Processo Civil e Comercial do Estado, regulando a ação especial para anulação de atos do poder executivo estadual ou municipal, determina que, em caso algum, na apreciação de incidentes de processo, ou no julgamento de recursos, serão anulados atos das autoridades administrativas, sob a alegação de inconstitucionais ou ilegais, devendo sempre, para tal fim, recorrer-se à mencionada ação.
O Código piauiense, nos demais dispositivos referentes à ação de anulação de atos, reproduziu, com pequenas alterações a Lei 221 da Justiça Federal.
Os comentários destacaram que era preciso consignar que, quanto à responsabilidade civil da administração, a lei substantiva, pondo termo à velha controvérsia existente entre os doutores, não faz distinção entre atos de gestão, atos praticados pelo Estado como pessoa jurídica, e atos de autoridade, atos de império, praticados pelo Estado como poder público, como governo. Quer numa, quer noutra hipótese, era sempre ressacável o dano causado pela autoridade pública.
A autoridade administrativa de quem emanou o ato, se estadual, seria representada no feito pelo ministério público; se municipal, pelo funcionário ou procurador com poderes para representar o Município em razão do cargo ou de mandato legalmente conferido.
São objeto ainda de destaque nos comentários o fato de o Código piauiense prescrever que deveria ser interposta apelação ex-ofício sempre que se julgasse contra a fazenda do Estado, tal como acontecia na Justiça Federal, onde o juiz seccional era obrigado a apelar para a suprema corte, toda vez que decidisse contra a fazenda nacional, sob pena da sentença não transitar em julgado, tornando-se inexequível.
Quando se fundasse direta e exclusivamente em dispositivos da Constituição Federal, a ação anulatória de atos das autoridades administrativas, não na justiça estadual, mas na federal, ex-vi do disposto no art. 60, letra a, da mesma Constituição, seguindo então o rito processual da lei 221, na conformidade do art. 6º do Decreto federal n. 1.939 de 28 de agosto de 1908. E o mesmo acontecerá se residir o Autor em Estado diferente.
Cristino Castelo Branco consignou ainda que a parte do Código do Processo Civil e Comercial do Estado, no atinente aos recursos, estava, incontestavelmente, bem organizada. Segundo ele o Código procurou garantir, o mais possível, o direito dos litigantes contra as prevaricações dos juízes de primeira instancia. Permitiu a apelação em cartório por termo nos autos, com duas testemunhas, independente de despacho do juiz, como já se admitia anteriormente em relação ao agravo. Quanto a este, que é de direito estrito, só podendo ser interposto nos casos taxativamente enumerados na lei, sendo o seu julgamento restrito ao ponto de que se agrava, enumera o Código sessenta e três casos dele, afora outros constantes de leis especiais, como, a de falência. Argumentou se para três dias o prazo da minuta e contraminuta. Não se exige, entretanto, a declaração da lei ofendida pelo despacho agravado, como é imprescindível na Justiça Federal e na de outros Estados da federação, parecendo a ele que nisso não andou bem avisado o legislador piauiense, pois que, segundo ele, seria sempre necessária a ofensa clara e terminante de um dispositivo de lei, para que se caracterizasse e pudesse ser legitimamente interposto o agravo.
No atinente à execução, o comentarista destacou que, o Código estatuiu que ela seria processada, salvo casos especiais, nos próprios autos da ação, e se estes tiverem subido por apelação à instancia superior, baixariam para tal fim. Segundo os comentários da época isto, certamente, seria muito mais racional e prático do que extrair-se carta de sentença, com aumento de despesas, e organização de novo processo à parte para a execução.
Os comentários destacaram ainda que o Código manteve a proibição de serem penhorados os bens e rendas do Estado e dos Municípios, que, nas palavras de Cristino Castelo Branco ficaram assim com o direito de calotear a humanidade inteira, acobertados contra qualquer execução judicial por dívidas.
Destacou mias que, as dívidas passivas dos entes federados prescreviam em cinco anos, ao passo que as suas dívidas ativas não prescreviam nunca. Segundo Cristino Castelo Branco o Código Civil de 1916 estabeleceu a imprescritibilidade destas, e estendeu a prescrição quinquenária daquelas aos Estados e aos Municípios, - benefício até então só concedido à União.
Sobre nulidade, Castelo Branco assinalou que, seria excelente a parte do Código piauiense, ao estabelecer os raros casos em que se deveriam anular os processos, aproveitando a lição dos mestres e os progressos científicos do direito judiciário. Tendo destacado em seu comentário que se via bem, pelo Código, que não se estava mais estamos mais em uma época em que a falta de uma virgula anularia o processo, se virgula nequit, causa cadit, e em que tendo alguém acionado por causa do corte de umas videiras, perdeu o processo, porque empregou na ação a palavra videira, quando a lei a não continha, mas faltava geralmente de arvores cortadas.
Enfatizou em seus comentários que em 1920, as coisas se passavam de modo diverso. Não se sacrificaria mais o fim aos meios, a substância à fórmula, louvando-se de lição de um insigne processualista, que houvera formulado a velha máxima la forme emporte le fond deve ser substituída pela inversa – le fond emporte la forme -, isto é, devia-se salvar a substância do direito, e, portanto, só quando esta perigar, pela inobservância da forma haja nulidade.
Assinalou que o Código piauiense, prescrevia, no seu artigo 1.236, que o recurso extraordinário seria interposto e processado na conformidade da legislação federal em vigor, competindo ao relator do feito, ou ao juiz da última instância, ordenar os atos do respectivo processo, enquanto não forem remetidos os autos ao Supremo Tribunal Federal.
Além dos Comentários de Cristino Castelo Branco, a Mensagem apresentada a Câmara Legislativa em primeiro de junho de 1921, outro documento histórico do Estado do Piauí, ressaltou os benefícios advindo da Lei n 964 de 17 de junho de 1920. A mensagem destacou a modernização da legislação aluz da doutrina recente na época e que a balburdia processual desapareceu, para dar lugar à organização impessoal e sistemática das regras adjetivas, que somente poucos Estados da União tinham deixado de codificar.
ISBN | 978-65-5959-208-1 |
Dimensões | 23 x 15.5 x 4 |
Tipo do Livro | Impresso |
Páginas | 268 |
Edição | 1 |
Idioma | Português |
Editora | Editora Thoth |
Publicação | Março/2022 |
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Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco UFPE. Advogado. Procurador do Estado. Professor Universitário de Filosofia do Direito e Direito Tributário. Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho – RJ. Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE. Doutorando em Direito Administrativo (PUC/SP). Ex-juiz jurista do TRE-PI. Ex- Presidente da OAB-PI. Ex-presidente do Colégio Brasileiro de Advogados do Brasil, atual representante estadual no Estado do Piauí do Instituto dos Advogados do Brasileiros IAB, Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses – IAP e Presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA Seccional Piauí.
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